A controvérsia sobre quando começa a vida também afetou as decisões sobre a liberação das pesquisas com células tronco no Brasil. Mas em 29 de maio de 2008, o Superior Tribunal Federal aprovou as pesquisas com células-tronco embrionários, transformando o Brasil no primeiro país da América Latina e o 26º no mundo a permitir esse tipo de pesquisa e colocando-o no rol de países como Finlândia, Grécia, Suíça, Holanda, Japão, Austrália, Canadá, Coréia do Sul, Estados Unidos, Reino Unido e Israel.

O artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) libera no país a pesquisa com células-tronco de embriões obtidos por fertilização in vitro e congelados há mais de três anos. Atualmente, esses embriões são descartados após quatro anos de congelamento, mas os pais devem autorizar expressamente seu uso para efeito de pesquisa. Quando a lei foi aprovada, considerou-se um avanço - ao menos perto do que se tinha para a pesquisa com células-tronco no país. A Lei de Biossegurança de 1995 proibia pesquisas com embriões, e os pesquisadores se viam obrigados a importar exemplares para realizar estudos básicos com células-tronco embrionárias. Muitas vezes, os embriões - doados por universidades e laboratórios de fora do país - apodreciam nas barreiras alfandegárias antes mesmo de chegar aos laboratórios brasileiros.

Dois meses depois de aprovada a lei, em maio de 2005 o então procurador da República Claudio Fonteles entrou com uma ação direta de inscontitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra o artigo da Lei de Biossegurança que trata do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas. Em sua ação, Fontele argumenta que o artigo 5º da Consttituição Federal garante o direito "à inviolabilidade da vida humana" e que os embriões são seres vivos. O conservador católico Fonteles foi a voz oficial de uma turma formada por correntes religiosas e grupos anti-aborto que acreditam que a vida começa no momento da concepção. Em março de 2008, os 11 ministros do STF se reuniram para decidir sobre a questão, mas não chegaram à conclusão alguma: após dois votos (o do relator Carlos Alberto Ayres Brito e o da ministra Ellen Gracie) a favor da liberação das pesquisas, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vistas ao processo, prolongando ainda mais as dicussões e atrasando ainda mais as pesquisas com células-tronco embrionárias no país. Menezes Direito também é ligado à Igreja Católica.

Claudio Fonteles e Menezes Direito, que tiveram papel decisivo na paralisação da pesquisas com células-tronco
José Cruz/ABr
O ex-procurador da República Claudio Fonteles (à esq.), que entrou com ação de insconstitucionalidade contra o artigo da Lei de Biossegurança que libera as pesquisas de células-tronco embrionárias, e Menezes Direito (à dir.), ministro do STF que pediu vistas ao processo, adiando por tempo indeterminado a decisão do STF sobre as pesquisas com células-tronco. Os dois juristas estão ligados à Igreja Católica, que é contra a liberação de embriões para pesquisa

Pela atual lei de biossegurança, apenas os embriões congelados há mais de três anos e os inviáveis para implantação podem ser utilizados em pesquisas. Por embrião inviável entenda-se aqueles que, na fertilização in vitro, não são introduzidos no útero da mulher por não terem qualidade ou por conterem mutações responsáveis por doenças genéticas. Um dos argumentos usados pelos pesquisadores é que se os embriões são inviáveis eles serão descartados, e a igreja e os grupos anti-aborto não se manifestam contrariamente a isso. Assim como não se manifestam contra o desligamento de aparelhos quando a morte cerebral de um paciente é constatada e seus órgãos são doados para salvar outras vidas. Se não há sistema nervoso funcionando, então não há mais vida.

O princípio para o uso das células-tronco embrionárias humanas é o mesmo. Os embriões usados têm apenas 14 dias. São um montinho de células menor que a ponta de uma agulha. Nessa fase, o sistema nervoso do embrião não está desenvolvido, e ele nem sequer em feto já se transformou. "Existe muito desentendimento e desinformação sobre o assunto", diz Mayana Zatz,professora de Genética Humana e Médica do Departamento de Biologia, Instituto de Biociências da Universidade São Paulo, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano. Zatz é a pesquisadora brasileira com o maior número de trabalhos sobre células-tronco publicados e uma das maiores defensoras do uso de células-tronco para pesquisa. "A proposta é usar os embriões que sobram nas clínicas de fertilização e vão para o lixo. São os embriões malformados que não teriam capacidade de gerar uma vida se fossem implantados no útero" [fonte: Drauzio Varella].

Além disso, a mesma lei diz que os institutos de pesquisa e serviços de saúde não têm autonomia sobre suas pesquisas com células-tronco embrionárias. Para realizar pesquisas ou terapias com células-tronco embrionárias humanas eles devem submeter seus trabalhos para análise e aprovação de comitês de ética em pesquisa. Assim, se as pesquisas forem contrárias ao que se considera ética de pesquisa, elas não são realizadas.

Depois da polêmica, em maio de 2008 o STF voltou a julgar a ação de inconstitucionalidade. Alguns dos ministros do STF chegaram a propor restrições que inviabilizavam as pesquisas, mas acabaram sendo derrotados. Seis dos 11 ministros do STF consideraram constitucional o artigo da Lei de Biossegurança que permite as pesquisas com células-tronco embrionárias, colocando um ponto final da discussão.


http://ciencia.hsw.uol.com.br/celulas-tronco6.htm

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